JOHN LUCCOCK
Negociante inglês: Morte em l820. Obra: Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil: 1808-1818. Esteve em São João del-Rei em 1818.
Crítica: "O negociante Luccock tem espírito e descreve muito bem, mas exagerado na malignidade. E, como é surdo, não se pode ter tanta confiança no que afirma ter ouvido como no que observou" (Saint-Hilaire).
Entre as igrejas, treze ao todo, existe uma que faz as vezes de metropolitana, situada junto à rua principal e construída de taipa; não obstante sua aparência exterior modestíssima, contém ela alguns ornamentos extraordinários. À direita do altar, há uma linda cópia de um dos antigos mestres, representando a última Ceia; à esquerda, uma outra, igualmente bela, apresenta Maria lavando os pés de Jesus e, em compartimentos inferiores, uns poucos quadros passáveis, de mau desenho, mostrando a chova de maná no deserto, e outros motivos tirados do Velho Testamento. O teto dessa igreja, que é arqueado, foi recentemente pintado a custa única de um negociante da vila. As tintas são ótimas mas não se combinam entre si e, compostas que são principalmente de vermelho, amarelo e azul, têm um aspecto bizarro que somente mesmo ao bom gosto brasileiro pode agradar. Ao centro, vê-se a imagem da padroeira, Nossa Senhora do Pilar, e o brasão de Portugal; acima da cornija, à destra e ocupando o comprimento todo da nave, acham-se os quatro evangelistas e, com eles alternando, um anjo posto numa espécie de púlpito saliente, enquanto que seus auxiliares subalternos na tarefa de salvar os homens, situados em postos menos visíveis, se acham metidos em recessos. Logo por debaixo do coro e sob a proteção de São João, o artista esforçou-se por colocar um retrato do cavalheiro á cuja custa o serviço fora executado. No lado oposto do teto e esquerdo do altar, vêem-se motivos de gênero diverso. Aparecem ali representações de frades e freiras, com alusões alegóricas a visões e comunicações de origem divina, com que são eles favorecidos. A idéia da inspiração foi representada ali da seguinte maneira esquisita: de uma nuvenzinha emerge uma trombeta falante, cujo som, representado por fortes raios amarelos, incide direito no ouvido do padre ao qual é endereçada a informação sobrenatural. O moço, que assim demonstrou sua habilidade, é natural do país e nunca viu uma pintura a óleo, com exceção apenas das que a própria igreja de São João contêm; não deve, portanto, sua obra ser examinada com a severidade da crítica; os contornos e expressões são bons, o traço é rude e falta relevo às figuras; seus tributos, como bem se pode esperar, por vezes são incorretos e demonstram ausência de critério, bom gosto e instrução. Tal como tantos outros homens de talento, ele é pobre, pinta por preços vis e, se aqui permanecer, não deixará nunca de viver em miserável dependência (Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Trad. Milton da Silva Rodrigues. Belo Horizonte: ltatiaia; S. Paulo: Edusp, 1975. p. 302).
Texto retirado do livro "Santos Negros e Estrangeiros" de Antônio Gaio Sobrinho.