MARÇAL CASADO ROTIER
Na margem direita do Rio das Mortes, desde a região do antigo Arraial do Córrego até a rodovia que corta atualmente a Colônia, estendendo-se a oeste pelas primeiras formações da Serra de São José, existe ainda hoje quantidade impressionante de cascalho lavado, encontrado aos montes ao lado de crateras de diferentes tamanhos. Na estação das chuvas essas crateras, quando se localizam nas vargens próximas ao rio, transformam-se, pela infiltração subterrânea das águas, em pequenas lagoas temporárias ou mesmo permanentes, como a Lagoa dos Cordões. São os vestígios e testemunhos da intensa atividade mineradora do passado. O volume do cascalho é de tamanha grandeza que propiciou à antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas construir um ramal até as cabeceiras do primitivo campo de aviação, de onde se retiravam composições completas de pranchas para o encascalhamento de suas linhas.
Foi nessa área, tudo indica, que Marçal Casado Rotier, senão o maior, pelo menos dos maiores e bem afortunados mineradores do Rio das Mortes - sem dúvida o mais empreendedor -, aplicou suas atividades por longos anos. Ainda se vê, à beira da estrada antiga para Tiradentes, uma velha construção, muito bem conservada: a sede do que restou da sua Fazenda do Córrego. Em seu interior, cômoda e armários de fina marcenaria e um rico oratório de grandes proporções, com entalhes com douradura e pintura primitivas, ainda existiam até cerca de quarenta anos atrás, quando, como de costume, foram retirados e vendidos, não se sabe para onde.
Marçal Casado Rotier era português, nascido em Lisboa, proprietário de vastas terras na vargem direita do Rio das Mortes, onde explorou com sucesso ricas jazidas auríferas. Tal se pode deduzir pelos numerosos e volumosos vestígios deixados, principalmente na região do antigo Arraial do Córrego, da atual Vila de Santa Cruz, encostas oeste da Serra de São José, e proximidades do Rio Carandaí. Em sociedade com terceiros, tentou a exploração de diamantes e fez contrato para cobrança das entradas de mercadorias.
Dos irmãos Casado Rotier que passaram a residir na Vila de São João del-Rei foi o que mais se destacou; acabou emprestando seu nome à Várzea do Marçal, até os dias de hoje assim conhecida. Em 1719 participava do Senado da Câmara da Vila de São João del-Rei como juiz ordinário. Muito cooperou na construção da Matriz de Santo Antônio, da Vila de São José del-Rei. Há notícias de que, em determinada época, enviava seus escravos, num dia da semana, para trabalharem na obra.
Em 1720 obteve concessão de sesmaria "correndo do Rio das Pedras para a Passagem do Rio das Mortes" - o que é difícil de ser entendido, pois, em 1714, á Câmara da Vila de São João del-Rei foi concedida uma sesmaria de duas léguas de terras em quadra, fazendo pião na vila. Como se verifica, houve duplicidade de concessão da mesma área. Ainda em 1720 o Senado da Câmara da Vila de São João del-Rei escreveu ao rei, fazendo referência a várias personalidades locais, entre as quais Marçal Casado Rotier, por terem oferecido ajuda ao governador da capitania por ocasião da revolta de Vila Rica.
Em 1735 Marçal terminou a construção da primeira ponte sobre o Rio das Mortes - a Ponte do Porto. A obra foi arrematada em hasta pública e o construtor ficou com o direito de cobrar pedágio pela sua utilização. Faleceu em 1767 e foi sepultado na Capela-mor da Matriz de Santo Antônio (Vila de São José), por ter sido um benfeitor que muito contribuiu para a edificação da igreja e provedor da Irmandade do SS. Sacramento.
Marçal Casado Rotier tinha, ao que parece, três irmãos que residiam em São João del-Rei. O mais conhecido deles era Vital Casado Rotier. O Dr. Vital, antes de passar a residir na vila, havia ocupado o cargo de Juiz de Fora no Rio de Janeiro. Como advogado que era representou, em mais de uma oportunidade, o Senado da Câmara da vila junto às autoridades da capitania (recebendo para esse fim ajuda de custas de 150 oitavas de ouro). Em 1720 obteve concessão de urna sesmaria de terras no "Bequinho - Freguesia de Santo Antônio do Arraial Velho" (possivelmente trata-se do Bichinho, nome popular do povoado de Vitoriano Veloso). Conforme relação efetuada por Fábio Guimarães, no Livro do Termo de Entrada dos Irmãos do SS. Sacramento, até o ano de 1720 constam, entre os últimos, Teodósio Casado Rotier e Patrício Casado Rotier (Guimarães, F., 1961, p. 86). Seriam, tudo faz crer, os outros dois irmãos. Há um documento interessante que não muito abona os Rotier, se as informações e apreciações do seu responsável forem justas e verdadeiras. Trata-se de uma carta dirigida ao rei pelo governador da Capitania das Minas Gerais, D. Lourenço de Almeida, no ano de 1728:
[...] Vital Casado Rotier que foi Juiz de Fora do Rio de Janeiro e é morador da Vila de São João del-Rei, também bastantemente inquieto para a sua inconveniência e por estar muitas vezes sem saber o que faz, tem dois irmãos consigo, os quais todos os dias fazem muitos disparates, porque nunca andam em seu juízo, e como são irmãos de um homem que foi Ministro, não se atreve nem o Juiz Ordinário, nem o Ouvidor a castigá-los em atenção a seu irmão, como também a perda do entendimento por sua culpa os faz serem valentes, despropositados, e assim esta irmandade é de grave detrimento em terra pequena. (Revista, 1979, p. 126).
Tudo indica que não se trata de Marçal, o que comprova que, além dele e de Vital, pelo menos mais dois irmãos residiam na vila. Pela perda do entendimento por sua culpa deve-se entender simplesmente embriaguez.
GUIMARÃES, Geraldo. São João del-Rei - Século XVIII - História sumária.
1996, págs. 105,107,108,109,110.