LENDAS

A falta de um registo especial, que lhe assegurasse vida menos efêmera, a quase totalidade das mais interessantes lendas de minha terra natal - a tradicional cidade mineira de São João del-Rei - tenderia fatalmente a desaparecer, por isso que, apenas conhecida por aquela boa "gente do tempo antigo", com a mesma se finaria, em não distante futuro, no silêncio da cova.

Foi, então, tendo em vista que as lendas constituem, entre outras, a riqueza espiritual, de um POVO ou de uma nação, que pensei em dar á estampa este trabalho, sem nenhuma intenção literária, recolhendo, para registo e divulgação, apenas as lendas que selecionei em meio de inúmeras outras despidas de interesse e, até mesmo, de nexo. Dentre as que aqui figuram, duas somente já haviam merecido o prestígio da letra de fôrma através, aliás, da pena de vários escritores ilustres. Incluí-as neste trabalho simplesmente para que se tornem ainda mais conhecidas.

Vários motivos, independentes de minha vontade, impediram-me realização mais ampla, com referência ao assunto. Os traços essenciais das lendas, porém, ai estão, - o necessário ao fim que tive em vista.

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Como subsídio impresso, vali-me apenas da obra de Bernardo Guimarães - Maurício ou os Paulistas em São João del-Rei, da qual sintetizei o capitulo relativo à lenda da Casa da Pedra, visto que meus narradores conheciam dela apenas traços vagos, imprecisos, que não me satisfaziam absolutamente.

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Não passará despercebida, de certo, a um observador a interferência de Deus, dos santos, do demônio e dos defuntos na quase totalidade destas lendas. Isto se explica pelo espírito profundamente religioso do povo mineiro, máxime do são-joanense.

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O Irmão Moreira, que figura numa destas lendas, não é uma entidade fictícia: existiu realmente. Há, numa das salas da Santa Casa de Misericórdia de minha terra, um retrato seu, a óleo, mandado colocar como tributo de gratidão, pelos benefícios que ele lhe prestou.

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Quando da 3ª edição de "CONTAM QUE...", um critico menos versado em assuntos folclóricos observou, como notável descoberta, que algumas lendas ali registadas se narram como tendo ocorrido em outras cidades do Brasil.

Quem estuda a história das lendas sabe, porém, que existe uma curiosa similitude entre elas, não apenas quando comparadas com as de um mesmo país, mas igualmente com as de outras partes do mundo, o que faz crer na sua estranha universalidade.

Escrevendo em O Jornal sobre o meu modesto trabalho, o Sr. Gustavo Barroso, que é, sem favor, um erudito em matéria de folclore, teve oportunidade de mostrar a identidade da lenda da mula sem cabeça na China, na Bretanha e na terra em que nasceu Tiradentes

Em O Sertão e o Mundo, pág. 9, escreve aquele acadêmico:

"Quando se estuda o folclore de vários países, ou regiões do mundo, chega-se à conclusão de que entre todos há analogias mais ou menos profundas".

E a pág. 259 da mesma obra:

"Em três escolas divide-se o estudo da novelística ou mitografia, que, geralmente, se chama folclore. A primeira é a mitológica, tendo á sua frente os irmãos Grimm, de Gubernatis, Max Müller, Atanasiev, que procura explicar as manifestações semelhantes de todos os folclores, como reminiscências religiosas e mitológicas dos povos de origem comum e os seus personagens, como símbolos de fenômenos naturais, mitos solares ou lunares, etc. A segunda é a histórica, chefiada por Kôhler, Benfey, Gaston Paris, que nega essa significação mitológica e afirma a sua origem histórica asiática, sendo levadas suas formas pôr meio dos viajantes, dos literatos, dos marinheiros, para os diversos países onde aparecem, com ou sem transformações. A terceira, mais moderna, é a antropológica, que se baseia no poligenismo, afirmando que os motivos folcloristicos, apesar de semelhantes, nasceram independentemente uns dos outros, que as mesmas condições produzem em lugares diversos as mesmas manifestações de arte popular, que essa similitude de contos e poesias surge de meras coincidências acidentais. E defendem essa escola Andrew Lang e Joseph Bédier".

Os estudos e observações do Sr. Gustavo Barroso levaram-no, finalmente, á melancólica afirmação que faz à página 276 de sua citada obra: "Dia a dia, vou notando a origem européia e oriental de coisas folclorísticas, que julgava inteiramente nossas. Dia a dia, vejo, nesse ponto, diminuir o patrimônio das nossas verdadeiras manifestações".

Creio que, depois deste ligeiro esclarecimento, ninguém poderá mais exigir que se apresentem lendas absolutamente originais, seja com relação ás de São João del-Rei, seja com referência às de qualquer outra parte do mundo.

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Finalizando, devo dizer que foi com esforço não pequeno que consegui recolher as lendas deste livro. Exceto a da Casa da Pedra, todas as que aqui figuram obtive-as ouvindo, dias seguidos, os mais antigos habitantes da histórica cidade em que nasci.

A todos que tão generosamente cooperaram para a publicação deste trabalho, que só vale pela sua finalidade cívica, os meus mais vivos agradecimentos.

Lincoln de Souza.

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Críticas e Dúvidas

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