FRANCISCO DE LIMA CERQUEIRA

Francisco de Lima Cerqueira, nascido em Portugal, transferindo-se para o Brasil, foi exercer suas atividades em Vila Rica, donde dele se tem notícias desde 1771. Nesse ano arrematou as obras do pórtico, dos arcos do coro e do lavatório da sacristia da Igreja de N. S. do Carmo, cuja construção estava em andamento naquela vila. Lá, em plena atividade, foi em 1774 procurado pelos irmãos da Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Vila de São João del-Rei é contratado para a construção de uma igreja, que deveria substituir a primitiva capela (levantada a partir de 1742 e terminada em 1749).

Sem abandonar de todo seu compromisso em Vila Rica, Lima Cerqueira veio para São João del-Rei e assinou termo de ajuste das obras da nova igreja, pelas quais passou a ser o principal responsável, modificando os riscos existentes, elaborando novos, executando os finos trabalhos de entalhe em cantária e, finalmente, tornando-se administrador do que viria a ser uma das mais monumentais igrejas do Brasil. Sempre com o total apoio da Mesa da Ordem, que especificou no termo do contrato lavrado: "[...] constituímos a ele, mestre do expedido acima, por acharmos com sabedoria e capacidade nesta matéria." Lima Cerqueira viveu a maior parcela de sua vida em São João del-Rei, trinta e quatro anos, com ligeiros intervalos nos primeiros, quando se deslocava até Vila Rica para concluir seu compromisso com a Ordem do Carmo.

Seu relacionamento com a Ordem de São Francisco nem sempre foi dos mais cordiais. Houve vários desentendimentos, relacionados principalmente com prestações de contas. A ordem lhe era devedora, em certa época, de muito dinheiro. Para contornar aborrecimentos ou simplesmente para ter oportunidade e condições de ser pago, Lima Cerqueira, por solicitação dos mesános, concordou em receber a dívida pela metade, desde que fosse à vista. A questão não foi plenamente solucionada e entrou na área judicial. A ordem promoveu sequestro de seus bens e ele solicitou pagamento do que se julgava com direito. Parece-nos que não há informações concretas sobre os resultados da pendência. Em seu testamento, datado de 25 de maio de 1807 (conforme registra José Gaede - sem citar a origem do documento), Lima Cerqueira, numa demonstração de mágoa e ressentimento, desabafa:

Despendi em todo esse tempo o meu dinheiro em benefício e crédito dela [ordem] e me estão devendo seis mil e tantos cruzados [...]. Os mesários mandaram chamar para pagar, pedindo que abatesse alguma coisa, eu disse que abatia a metade. Passando-se aí mesmo umas obrigações do resto pelo longo tempo de doze anos [...] não quis aceitar o que era para me dar logo o resto, cuja obrigação fiz reclamar ao Ordinário [Juiz-Ordinário] desta Vila, passando os irmãos a ingratidão de me fazerem seqüestro em todos os meus bens [...]. Declaro que na ocasião do seqüestro, eu tinha vinte e tantas oitavas de ouro, as quais não entregaram no seqüestro nem eu as recebi até agora, e não sei com quem elas ficaram [...] havia um crédito da Ordem [certamente a seu favor] e este crédito não apareceu (apud Gaede, 1988, p. 152-153).

Como se vê, a Mesa da Ordem da época não transmitiu para a posteridade uma boa imagem. Um estudo mais detalhado sobre Lima Cerqueira merece que o assunto venha a ser melhor ventilado e esclarecido.

Em 1787 a Mesa da Ordem de N. S. do Carmo da Vila de São João del-Rei deliberou construir novo frontispício para sua igreja. Para tal procurou Lima Cerqueira, fazendo com ele ajuste para administrar e reger a dita obra. Com plenos poderes para, se necessário, modificar a seu critério os planos e riscos já existentes, ou elaborar outros, tudo indica que Lima Cerqueira tenha feito um novo desenho para a fachada. Passou então a ser o responsável pelas duas mais significativas realizações arquitetônicas de São João del-Rei: São Francisco e Carmo. Quando a Ordem de São Francisco com ele se desentendeu e entrou em litígio, o Mestre teve dificuldades financeiras. Nesse transe acudiu-lhe a Ordem do Carmo, cedendo-lhe uma casa de sua propriedade para residência e cooperando no pagamento de suas despesas mais prementes. Aluízio José Viegas, baseado em documentos manuscritos da ordem, registra:

A partir de 2 de dezembro de 1805, Lima Cerqueira passou a morar em casa da Ordem do Carmo recebendo para seu sustento 3 oitavas de ouro mensalmente.Nesse mesmo Termo Lima Cerqueira é chamado de "Irmão Benfeitor" da Ordem do Carmo e fica especificado que enquanto ele vivesse e necessitasse, o Tesoureiro da Ordem ficava autorizado a lhe prover sustento (Viegas, 1988, p.52).

Lima Cerqueira foi responsável indireto pelas obras das três pontes de pedra - duas sobre o Córrego do Lenheiro e uma sobre o Córrego do Segredo (esta última há muito soterrada). Para a construção da Ponte da Cadeia, a primeira a ser feita, o contrato com o arrematante exigia que os trabalhos fossem por ele dirigidos. A Ponte do Hospital (também chamada Ponte da Misericórdia), sobre o Segredo, próxima à atual Santa Casa da Misericórdia, teve como arrematante o alferes Aniceto de Souza Lopes, discípulo de Lima Cerqueira, sendo este o fiador exigido pelo Senado da Câmara. Quanto à terceira ponte a ser construída, a do Rosário, constava no contrato da obra: "Que será feita com toda a segurança e perfeição e dirigida em tudo pelo Mestre Francisco de Lima Cerqueira."

Faleceu em 27 de setembro de 1808, sendo sepultado, com o hábito franciscano, na Capela-mor da Igreja de São Francisco de Assis. Deu continuidade a seu trabalho o são-joanense Aniceto de Souza Lopes, tanto na Igreja de São Francisco como na do Carmo. Já então mestre-pedreiro, dirigiu a feitura da fachada da Igreja do Carmo, que por falta de recursos financeiros prosseguia em ritmo lento. Nas obras de São Francisco foi o responsável pelo levantamento das torres, da empena do frontispício e do arco abatido do coro. Esse arco é considerado um feito arrojado e audacioso, pela exigência de precisão nos cálculos e na execução, razão pela qual se acredita ter sido projetado pelo mestre Lima Cerqueira.

Dentre outros trabalhos executados por Aniceto está o novo pelourinho, obra por ele arrematada em 1812 - o mesmo que hoje se encontra na Praça Barão de Itambé (antigo Largo da Câmara), com as características originais alteradas. Aniceto de Souza Lopes faleceu em 1814.

O Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, em 1987, teve entre suas principais metas a de fazer reconhecido Francisco de Lima Cerqueira como o responsável pela realização do que há de mais expressivo na arquitetura colonial: as igrejas de São Francisco e do Carmo. Sua Revista publicou vários trabalhos referentes ao assunto. Reproduzimos parcialmente o editorial, de nossa responsabilidade:

Trata-se de Francisco de Lima Cerqueira que, pelo seu trabalho, pela sua dedicação e, principalmente, pelos seus méritos, deveria ter sua memória engrandecida, não somente pelos são-joanenses mas também por todos aqueles que se interessam e admiram as obras monumentais das igrejas de São Francisco e de Nossa Senhora do Carmo desta nossa cidade.

Sem querer diminuir ou ofuscar, e isto seria impossível, o gênio irrefutável de Antônio Francisco Lisboa, o genial Aleijadinho, este instituto sente a obrigação, a bem da verdade histórica e da justiça, de fazer lembrado o nome daquele que, sobejamente demonstrado em provas documentais, foi o principal realizador destes dois padrões da arte barroca de Sao Joao del-Rei.

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, com seu gênio, criou em torno de sua figura uma auréola que, injustamente, vem ofuscando a quantos, na sua época, militassem no mesmo campo. Mas nem por isto deva ser atribuído a ele, indiscriminadamente, tudo que há de belo e majestoso na arquitetura e na arte do entalhe nestas Gerais do século XVIII.

O desconhecimento de uns, o ufanismo inconsciente de outros e a comodidade de uma maioria vêm propiciando, ao longo dos anos, a manutenção de uma lenda e o cometimento de uma injustiça, tornando-se imperativo que a primeira seja desfeita e a segunda reparada.

Nenhuma prova documental corrobora a existência em São João del-Rei (a não ser possíveis peças avulsas) de qualquer obra que possa ser atribuída ao Aleijadinho. Em contrapartida, os arquivos das igrejas de São Francisco e de Nossa Senhora do Carmo têm registros bastantes e inequívocos que comprovam, sobejamente, a atuação intensa de Francisco de Lima Cerqueira nestes dois templos (Guimarães, G., 1987, p. 3).

Seria justo e oportuno que se fizesse erguer, por modesto que fosse, um marco para conhecimento das gerações presentes e futuras de que a Igreja de São Francisco é obra do mestre Francisco de Lima Cerqueira.

GUIMARÃES, Geraldo. São João del-Rei - Século XVIII - História sumária.
1996, pág. 110,111,112,113,114.



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